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Revista ABHO - What’s Up – Março 2004
DECRETO 4882: FONTE DE POLÊMICAS Marcos Domingos da Silva, Silva, membro fundador da ABHO, mestre em higiene ocupacional pela C olorado State University e tecnologista sênior da Fundacentro
O ser humano apreende a se comunicar desde o ventre da sua gestação, mas raramente encontra as palavras certas para se fazer entender. Muitas vezes divulgamos mensagens que são mal interpretadas, criando embaraços, confusões e muita polêmica. Por outro lado, bons comunicadores atraem multidões de ouvintes, leitores e até seguidores, porque conseguem transmitir bem suas ideias, que lhes rendem aplausos, prêmios e muito dinheiro (não é a situação do autor desta matéria). O sucesso nos meios de comunicação não significa necessariamente informação de boa qualidade ou de bom conteúdo. As leis promovem invariavelmente diferentes interpretações, mesmo quando são bem elaboradas. Enquanto os artistas ganham dinheiro se comunicando bem, os advogados e juristas faturam muito interpretando e esclarecendo as falhas de entendimento da legislação. O Decreto 4882, publicado em 18 de novembro de 2003, que altera o Regulamento da Previdência Social, é uma fonte exemplar de polêmica, não só pelo conteúdo em si como também pela redação confusa. As mudanças introduzidas no Regulamento da Previdência Social, especialmente nos parágrafos o o 7 e 11 do Artigo 68, reproduzidos adiante, têm gerado muita discussão e serão também debatidos no Encontro Regional da ABHO no RJ, dia 17/03/2004. § 7 0 O laudo técnico de que tratam os §§ 2 o e 3 o deverá ser elaborado com observância das normas editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e dos atos normativos expedidos pelo INSS. § 110 As avaliações ambientais deverão considerar a classificação dos agentes nocivos e os limites de tolerância estabelecidos pela legislação trabalhista, bem como a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO." (NR) 0
Notem que o artigo 7 requer a observância das normas do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, entendidas como as Normas Regulamentadoras, particularmente a NR 15 e NR 9, na elaboração dos laudos técnicos, em conjunto com atos normativos do INSS. Só aqui há espaço para muita discussão, na medida em que as NR’s incorporam critérios qualitativos e quantitativos, além da possibilidade de adoção de limites de exposição ocupacional recomendados por organizações estrangeiras, cujo caráter é essencialmente prevencionista e não previndenciário. 0
As questões mais polêmicas estão no § 11 , ao misturar as NHO’s – Normas de Higiene Ocupacional da Fundacentro Fundacentro com as NRs. Pelo texto do decreto, fica bem claro que os limites de tolerância – [LT] são os da NR 15, já que menciona expressamente expressamente a legislação trabalhista, e não os da Fundacentro, que foram publicados a título de recomendação técnica. Contudo, alguns intérpretes da lei estão asseverando que, através das normas da Fundacentro, pretendem atualizar os critérios das NRs. Se essa era a intenção, o legislador falhou em seu objetivo. No caso da exposição ao ruído, assunto preferido dos prevencionistas, há interpretações apressadas no sentido de forçar a adoção dos padrões de exposição [LT] da Fundacentro; porém, 0 o § 11 invoca apenas a metodologia e procedimentos das NHOs. Metodologia e procedimentos significam, nesse caso, instrumentação e estratégia de medição, ou seja, envolve tecnologia e abordagem do ambiente de trabalho (avaliação pessoal ou ambiental, número e duração das leituras, etc).
A principal diferença entre os LTs da N 15 (Anex 1) e os da Fundacent o reside no “exchange rate – [ER]”, traduzido na HO como “incremento de dose , mas também conh cido com “FDD Fator Du licativo de Dose”, ou simplesmente “Q”, sendo respec ivamente 5 dB e 3dB, os quai podem le ar a concl sões total ente distintas em ter os de adicional de in alubridade. O Gráfico 1 permi e observar a diferenç dos temp s máximos permitido entre os d is critério mencionados. Gráfico 1-
omparação os LTs da
R 15 com os da Fundace tro
LT's NR 15 x NHO ) 26 h ( 24 o ã 22 ç 20 i s o 18 p x 16 E e 14 d 12 . x 10 á M 8 o 6 p m 4 e T 2
NR 15
HO
0 80
85
88
90
91 94 dB-A
95
7 100 1 5
É fácil ver que, a aixo de 85 dB-A, o c itério da Fundacentro é mais tol rante do o da NR 15; porém, torna-se ex remament rigoroso para níveis elevados, p rticularme te acima d 95 dB-A. Os Qu dros I e II, adiante, il stram o i pacto do DD (Q) = 3 dB, em ermos de ose. Com exempl , uma exp sição ocu acional ao ruído a 100 dB-A, de mesma duração, resulta em um dose 4 ezes maio pelo critério da Fund centro. Quadro 1- Doses de ru ído calculad s com base
Nível dB(A 80 85 90 95 100 105
FDD = Tempo Máx. 5 dB Permitido (T) 5 dB
5 dB
5 dB
R 15 - Anex o 1 [FDD, Q ou ER = 5d ]
Te po de Exp sição e Do e [%] 8h
4h
2h
1h
30 min
100%
50%
25%
12,5
6,3%
4h
200%
100%
50%
25
12,5%
2h
400%
200%
1 0%
50
25%
1h
800%
400%
2 0%
100
50%
30 min
1600%
800%
4 0%
200
100%
16 h 8h
T/2
ota: FDD = Incremente e Dose = ER (exchange rate)
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Quadro 2 - Doses de ruído calculadas com base na NHO da Fundacentro [FDD, Q ou ER = 3 dB]
Nível FDD = dB(A) 3 dB 85 + 3 dB 88 91 + 3 dB 94 97 + 3 dB 100
Tempo Máx. Permitido (T) 8h 4h T/2 2h 1h 30 min 15 min
8h 100% 200% 400% 800% 1600% 3200%
Tempo de Exposição e Dose [%] 4h 2h 1 h 30 min 50% 25% 12,5% 6,3% 100% 50% 25% 12,5% 200% 100% 50% 25% 400% 200% 100% 50% 800% 400% 200% 100% 1600% 800% 400% 200%
15 min 3,13% 6,3% 12,5% 25% 50% 100%
O Art. 2o do Decreto 4882 introduz ainda outra novidade importante, que é o Nível de Exposição Normalizado (NEN), ao alterar a alínea “a”, item 2.0.1, do Anexo IV, expressão cunhada na NHO de ruído da Fundacentro para traduzir o L twa - Time Weighting Average Level, nível médio ponderado para um período padrão de 8h. Simplificando, trata-se de um nível de ruído determinado por meio de fórmulas logarítmicas ou cálculos de integrais, pressupondo-se um período de exposição fixo (normalizado) de 8 h. Os dosímetros modernos mostram esse valor automaticamente no visor ou no relatório, independentemente do tempo de leitura de dados. Tanto faz medir 1 h, 8 h ou 10 h, o NEN (Ltwa) será sempre ajustado para um padrão de 8 h. O higienista deve tomar cuidado com medições de duração inferior ao período real de exposição, pois o tempo que faltar para completar 8 horas de leitura será considerado como exposição abaixo do limite de tolerância (nula), “diluindo” o resultado final. Na prática, as dosimetrias deverão obrigatoriamente cobrir toda a jornada de trabalho. Procedimentos diferentes requerem bons conhecimentos dos fundamentos de acústica. Os gráficos 2 e 3 comparam os NENs calculados pela NR 15 e NHO da Fundacentro, tendo como base uma mesma exposição ao ruído de 1 h, sendo as 7 horas restantes um período de nulo, em termos acústicos.
MDS – Pág. 3-5
Gráfico 2- Cálculo do NEN pela NR 15 - Anexo 1 105
Exemplo da Aplicação do NEN (NR 15)
Dose= 37,35 %
100 95
Lavg = 92,9 dB-A
90
A B 85 d
80
NEN = 77,9 dB-A
75 70
Lavg [NR 15]
NEN [NR 15]
Exposição: 1 h
65 07:10 07:18 08:03 08:10
Horário
14:00 15:00 16:10
Gráfico 3 - Cálculo do NEN pela NHO da Fundacentro 105
Exemplo da Aplicação do NEN (NHO)
100
Dose = 100,35 %
95
Lavg = 94,05 dB-A
90
A B 85 d
80
NEN = 85,02 dB-A
75 70
Lavg [NHO]
NEN [NHO]
Exposição: 1 h
65 07:10 07:18 08:03 08:10
14:00 15:00 16:10
Horário
Uma leitura simples dos gráficos permite identificar uma situação de insalubridade (NEN > 85 dB-A), pela NHO, enquanto nenhum risco seria apontado pela NR 15. Concluindo, é importante frisar que o NEN não é uma exclusividade da NHO da Fundacentro, mas um recurso de leitura introduzido nas últimas gerações dos dosímetros, e será calculado de acordo com os parâmetros adotados. O usuário desse tipo de instrumento deve rever o manual de operação para se assegurar de que o Ltwa reflete o que foi discutido neste artigo, pois há aparelhos antigos, além de outros, de procedência suspeita, que não seguem as terminologias das normas ANSI e IEC.
MDS – Pág. 4-5
O uso de limites de exposição ao ruído baseados no ER (FDD, incremento de dose, Q) igual a 3 dB permite caracterizar condição de insalubridade por ruído com muito mais facilidade, aumentando consideravelmente o contingente de candidatos a aposentadoria especial. Para o INSS, no momento, isso significa aumento de arrecadação e, para a sociedade, uma conta maior no futuro, a ser saldada quando a previdência social não tiver recursos para pagar os seus contribuintes.
MDS – Pág. 5-5